sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Takiji Kobayashi «Kanikosen – O Navio dos Homens»



Escrito em 1929, Kanikosen – O Navio dos Homens voltou surpreendentemente às listas dos best-sellers em 2008, ano em que a grave crise financeira disparou no Japão e o jornal Mainichi Shimbun publicou um artigo sobre este romance. Mais de 80 anos após a sua publicação original, Kanikosen apareceu em 2010 pela primeira vez publicado em português via Clube do Autor.

Takiji Kobayashi (1903-1933), comunista, morreu com apenas 33 anos, vítima de tortura por parte das autoridades nipónicas. O motivo pelo sucedido prendeu-se com o carácter subversivo da sua escrita e a colaboração clandestina com o Partido Comunista Japonês. As autoridades tentaram maquilhar e ocultar a verdadeira causa de morte de Kobayashi, invocando então deficiência cardíaca.

Sem ter publicado muitos livros, Kobayashi escreve em Kanikosen – O Navio dos Homens sobre as horríveis condições de trabalho dos funcionários do barco-fábrica Hakko Maru nas gélidas águas de Kamchatka, na costa russa, e, claro, as diferenças entre a classe do patronato e a do proletariado. A tripulação é constituída essencialmente por camponeses pobres e estudantes universitários que eram levados a assinar contratos de trabalho falsos e muito aquém da remuneração que os mesmos prometiam. Para piorar a situação, estes pobres pescadores viviam em condições miseráveis, sem qualquer tipo de conforto, higiene ou alimentação decente, e uma boa parte deles acaba por sucumbir à morte. A certo ponto, começam a circular entre estes pobres coitados ideais de revolta e revolução contra o capitão e o patrão, como naturalmente o leitor pode imaginar. Em termos de conceito e originalidade, Kanikosen – O Navio dos Homens navega por águas bem conhecidas e clássicas. 

Kanikosen – O Navio dos Homens é agradável , curto e a sua estória é extremamente acessível a todos aqueles que queiram comparar as condições de trabalho de muitas pessoas há 100 anos atrás e constatar que as coisas não mudaram assim tanto.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Chelsea Cain «HeartSick»




Thrillers e assassinos hardcore são certamente o tipo de livros que mais vendem actualmente em todo o mundo, muito graças à saga Millennium de Stieg Larsson, e o fenómeno vai continuar de boa saúde, ao que tudo indica.

Chelsea Cain, que descobri graças a uma visita que fiz há uns tempos ao Cult - site de Chuck Palahniuk –, é uma escritora norte-americana (n. Iowa, 1972) relativamente bem conhecida nestes meandros de sangue e suspense no seu país e actualmente anda em digressão com Chuck Palahniuk (Clube de Combate) e Monica Drake (Clown Girl) a promover a saga de romances com Archie Sheridan, o detective e figura principal da saga, e Gretchen Lowell, a série killer sexy. Tudo começa quando Archie acorda zonzo, preso, sem se conseguir mexer, numa cave fria onde impera um forte odor a carne putrefacta; após se aperceber de que o pivete vem de um cadáver que jaz no chão há dias, o detective descobre que desta vez é ele mesmo que se encontra na pele do sequestrado.

Archie e a polícia andam há anos a tentar descobrir o responsável pela morte de 199 pessoas, todas vítimas de tortura, quando Gretchen, também ela membro das forças policiais e descrita como uma mulher de uma beleza impar, cativante, se junta a ele para o ajudar. O problema é que o psicopata é Gretchen, como Cain explica nas primeiras páginas, a bela assassina que torturou Archie durante dez dias até a equipa de investigação a deter, recebe um pedido de ajuda por parte da equipa de Archie para ajudar a encontrar um novo assassino que tem andado a matar raparigas adolescentes.

Recordando o «quid pro quo» de Clarice Starling e o Dr. Hannibal Lecter de O Silêncio dos Inocentes, HeartSick (editado em Portugal pela Porto Editora, com o título Beleza Assassina) é viciante devido a uma escrita simples e acutilante, ainda que não ofereça muitos rasgos de originalidade em termos de conteúdo. A saga Archie Sheridan & Gretchen Lowell  encontra-se já no sexto volume (!), sendo que em português está publicado por cá apenas o primeiro. 

Nota: esta crítica foi baseada na leitura da obra no seu idioma original, o inglês. 

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Yasunari Kawabata «Mil Grous»




Tendo como pano de fundo uma cerimónia de chá, Mil Grous - Senbazuru no original – é um dos expoentes mais simbólicos daquilo que é o declínio da cultura, mentalidade e costumes japoneses tradicionais, especialmente no pós-II Guerra Mundial e consequente ocidentalização do “país dos Samurais”.

Publicado em 1958, a escrita de Mil Grous é extremamente acessível, o mesmo não se podendo dizer acerca do seu verdadeiro significado e a metáfora que um aparentemente simples convite para tomar chá tem para um japonês e que a nós, ocidentais, nos escapa. A Custa-nos a entender o porquê de os nipónicos levarem – demasiado – a sério a questão da honra, o porquê de cometerem “sepukku” – suicídio estilo Samurai, que consiste no esventramento com uma lâmina – e neste caso toda a graciosidade e sensibilidade resultante do ritual de beber uma chávena de chá.

A estória deste romance passa-se, como já referido, no período que o Japão se vê assaltado pelo domínio ocidental, e centra-se em Kikuji, convidado especial para a “chanoyu” – cerimónia de beber chá – de Chikako, uma mulher que foi amante do seu falecido pai. Na casa de Chikako, Kikuji reencontra uma outra ex-amante do seu pai, a senhora Ota na companhia da sua jovem filha Fumiko, acabando por conhecer a menina Yukiko, estudante de Chikako. Esta, a personagem simbolizante de todo o veneno e declínio dos valores tradicionais japoneses, pretende casar Kikuji com Yukiko, que se vê envolvido numa relação com a senhora Ota.

Mil Grous desenrola-se através de um misto solenidade, respeito e costumes, acentuados pelo forte efeito imagético que a escrita de Kawabata sugere – vencedor do Prémio Nobel da Literatura, em 1968 – com uma carga emocional invulgar. Dito isto, convém referir que Terra de Neve – visto por muitos como o melhor romance de Kawabata - revelou-se-me uma experiência de maior prazer.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Mario Vargas Llosa «O Sonho do Celta»



As primeiras páginas de O Sonho do Celta sugerem de imediato que o leitor está perante um romance histórico. Nesta obra, o peruano Mario Vargas Llosa levou a cabo uma pesquisa exaustiva e minuciosa sobre a personagem de Roger Casement, irlandês que serviu o Império Britânico acabando, mais tarde, por reivindicar a independência e autonomia da Irlanda.

Enquanto diplomata do Império Britânico, Casement testemunhou in loco as várias atrocidades que os grandes impérios europeus cometeram contra os povos africanos e americanos; com o pretexto de modernizar e civilizar estes povos ditos indígenas, a História mostrou que vários países da Europa – sobretudo Espanha, Reino Unido e Portugal – se serviram das riquezas e mão-de-obra locais para enriquecerem facilmente. Roger Casement, nas palavras de Llosa, viajou um pouco por todos os continentes, tendo-se estabelecido vários anos no Congo e na Amazónia Peruana.

Em ambos enfrentou o abuso de poder, crimes, violações e várias outras infracções desumanas: «Dyall matou os dois primeiros a tiro, mas o chefe ordenou que, aos dois seguintes, lhes esmagasse primeiro os testículos com uma pedra de moer mandioca e acabasse com eles à bordoada. Ao último, mandou que o estrangulasse com as próprias mãos» (págs. 226, 227). O período de Casement no Congo foi assustador e desgastante em termos físico-psicológicos, agravados mais tarde com a ida do irlandês para o Peru, onde teve de lutar contra a Peruvian Amazon Company, uma empresa exploradora de borracha.

Progressivamente, e já depois de ter sido promovido a “sir” pelo Império Britânico, Roger Casement estabeleceu um termo de comparação entre a Irlanda, o Congo e o Peru e concluiu que não podia servir mais os interesses britânicos, pois a Irlanda estava a ser colonizada precisamente pelos britânicos. Procurou uma aliança entre os rebeldes, nacionalistas e radicais irlandeses com a Alemanha, mas o Reino Unido viria a condenar o outrora “sir” por traição.

Mario Vargas Llosa está de parabéns, pois a força e detalhe da sua escrita abrasiva, chocante no retrato das mortes atrozes dos indígenas, aliada à emotividade transmitida pela figura de Roger Casament fazem de O Sonho do Celta uma obra inesquecível, de uma leitura viciante.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Charles Bukowski «Mulheres»



Nome: Henry Chinaski
Idade: 55 anos
Ocupação: poeta
Morada: Los Angeles

Objectivo de vida: fazer sexo aos 80 com uma rapariga de 18.

Henry Chinaski adora as mulheres. Porquê? «Mulheres: gostava da cor das suas roupas; do modo com andavam; a crueldade de alguns rostos; de quando em quando, a beleza quase perfeita dum rosto, encantadoramente feminino. Elas tinham uma vantagem sobre nós: planeavam muito melhor a sua vida, eram muito mais organizadas.» (pág. 263).

Mulheres narra a vida de um poeta que passa o seu tempo a beber e a fazer sexo com várias mulheres – muito resumidamente, é isto. Sem se perceber bem como e porquê –nem o próprio Chinaski o sabe - , um indivíduo de um metro e oitenta, 100 kilos, que usa meias diferentes, com poucos dentes, barba desgrenhada, conhece as mulheres mais belas e mais exóticas dos Estados Unidos e acaba com elas na cama. O “esquema” inclui as mulheres dos melhores amigos.

Auto-biográfica em vários aspectos, desde o facto de Chinaski ter nascido também na Alemanha e ser poeta, a obra é repetitiva do princípio ao fim, e escrita de forma simples, directa e explícita, e roda em torno do sexo: «Pus a sua mão no meu caralho. Agarrei-lhe no cabelo e puxei-lhe a cabeça para trás, beijando-a violentamente. Acariciei-lhe a cona. Mexi-lhe no clitóris durante algum tempo. Estava completamente molhada. Montei-a e enfiei-o.» (pág. 139). Tammie, Katherine, Joanna, Arlene, Sara, Liza, Cecelia, etc, etc. São tantas.

Até meio da obra, adorei a sua escrita “drogas, sexo, álcool”, até que depois me comecei a aperceber de que era sempre isto e, bem, a coisa a modos que se torna repetitiva e entediante.

Mulheres é um bom livro, apesar da rotina que se instala na sua leitura; a tradução não é das melhores, além de que Bukowski “rende” mais em inglês, mas revelou-se uma experiência interessante.