quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Lev Tolstoy «A Morte de Ivan Iliitch»


Sempre que se fala em Literatura, é impossível fugir à figura de Lev Tolstoy e àqueles que são considerados expoentes máximos da literatura russa e que viriam a abalar os alicerces da época em que são publicados: Anna Karenine e Guerra e Paz. É óbvio que seria pretensioso e arrogante da minha parte excluir Os Irmãos Karamazov e Crime e Castigo de Fyodor Dostoyevsky, a obra ligada ao teatro de Chekhov ou Doutor Jivago de Boris Pasternak; pior seria não mencionar A Morte de Ivan Iliitch, infinitamente elogiado por António Lobo Antunes e Vladimir Nabokov. 

Tolstoy, nascido a 28 de Setembro de 1828, foi uma das figuras que mais marcaram a sociedade russa: nascido num berço nobre, Tolstoy acabou a sua vida longe dos luxos junto dos camponeses, adoptou ideias anarquistas, converteu-se ao cristianismo e defendeu uma ideia de proximidade entre o ser humano e a natureza. Morreu a 20 de Novembro de 1910 e deixou um legado tanto literário e humanista de grande valor para o Homem. Neste livro, como o título sugere, aborda-se a morte de um juiz da classe burguesa e sua luta contra uma doença fatal que o faz rever toda a sua existência e fragilidade. Ivan Iliitch, tal como Tolstoy antes de se juntar aos camponeses, é um homem que comete excessos, casa-se por conveniência em vez de amor e acaba por falecer devido a uma queda que afectou um rio ou o ceco.

O primeiro capítulo começa precisamente com o anúncio da sua morte contada pelos seus amigos mais próximos que trabalham consigo no tribunal e com o velório que decorre na casa de Iliitch. A esposa, apesar de triste, preocupa-se com quanto dinheiro ganhará com a morte do marido, os seus amigos fazem contas à vida profissional: com a morte do malogrado, haveria certamente quem subisse qualitativa e economicamente no emprego. A única pessoa que se mostra triste, mas resignado com a partida de Iliitch, é o seu criado Guerassim – pessoa que mais zelou e ajudou o patrão durante a sua enfermidade até à sua morte. Após estes capítulos iniciais, Tolstoy imprime uma mudança no texto e passa de imediato para a vida de Ivan Iliitch. Assim que adoece, Iliitch apercebe-se da sua fragilidade ao ver o seu corpo mirrar e do quão frágil a vida é, perguntando-se a si mesmo o porquê de ele estar a morrer, ele que viveu sempre de forma justa. A não aceitação do seu estado e a proximidade com a morte deprimem e pioram o seu estado, acabando por afastar os que o rodeiam. Apercebe-se de que os outros têm pena de si, mas esse sentimento condescendente enerva ainda mais a condição de Iliitch, até que entra em diálogo consigo mesmo e com Deus.

Na realidade, Tolstoy usa Ivan Iliitch para espelhar-se. Tanto um, como outro, são oriundos de famílias abastadas, têm bons empregos, esposas artificiais e não pensam muito na morte, até que a doença entra nas suas vidas. Tolstoy, e em especial quando a doença que haveria de o matar lhe bate à porta, aproxima-se mais de Deus e da natureza, repudiando no entanto o cristianismo enquanto religião organizada e institucionalizada, transmitindo a mensagem de que a morte é algo que não podemos evitar enquanto seres vivos, mas que a morte pode não ser o fim do Homem: aquele que se entrega à natureza e que sente Deus e a sua humildade dentro de si mesmo, em oposição aos que materialistas, viverá uma morte em paz. Por outras palavras, Iliitch apercebe-se de que a sua vida de aparências e exageros, ligada a um emprego que lhe dá o direito de julgar, ilibar ou condenar outros homens, foi uma vida má e, assim que aceita a morte física, a sua vida espiritual iniciar-se-á após a morte. A sua vida começará neste ponto.

O único que se orienta sob este estilo de vida espiritual e que aceita a morte como parte natural da vida é o já referido criado Guerassim, a única personagem do povo em todo o livro e a que mais contribui para a calma interior que Iliitch adquire na fase final da sua mortalidade. Uma obra ímpar, aparentemente simples, mas profundamente enraizada na filosofia de vida de Tolstoy.

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