segunda-feira, 18 de julho de 2011

«Cisne Negro»


Darren Aronofsky é um realizador que parece talhado para grandes produções e exploração de temas sensíveis e complexos - desinteressantes, nalgumas das vezes. Aconteceu com os vícios fatais de A Vida Não É um Sonho, o renascer condenado ao fracasso da vida familiar e profissional do wrestler Randy Robinson de O Wrestler, o quebra-cabeças psicológico e denso de Pi. No ano passado apostou no ballet.

Natalie Portman (V de Vingança) interpreta o papel de Nina Sayers, uma jovem bailarina que treina numa grande companhia de ballet de Nova Iorque e que tenta desesperadamente ganhar o papel na peça “Swan Lake”, interpretando o papel de dois cisnes: o Branco, na sua pureza e graciosidade; e o Negro, provocador e malicioso. Nina é demasiado ingénua e bondosa para poder encarnar o Cisne Negro: só a presença de uma bailarina audaz e um director atrevido e severo conseguiriam despertar em Portman os sentimentos requeridos para se transformar na escuridão. A bailarina audaz é Lily (mila Kunis), uma jovem recém chegada à companhia que desperta rivalidade entre si e Nina, ao passo que o director Thomas Leroy é interpretado por Vincent Cassel. Tanto Lily (perfeita para o papel do Cisne Negro) e Cassel despertam em Nina sentimentos e facetas que ela antes não conhecia.

Aronofsky capta o habitual estereótipo das grandes bailarinas: Nina é uma jovem que despende muito tempo na companhia a treinar e, nos tempos ditos “livres”, esgota-se em casa a praticar movimentos. A obsessão para ser perfeita e ultrapassar o falhanço da mãe, uma ex-bailarina que não atingiu o sucesso que a filha pode alcançar, começam a constituir um peso demasiado pesado na vida de Nina, consumindo-a por dentro, tornando-a num ser sem vida, demasiado formatado e moldado pelas exigências do ballet. A severidade e a frontalidade de Leroy, retratadas em vários momentos do filme, são intensas e explícitas, insistindo na exploração pessoal e sexual da personagem principal para se tornar apta para desempenhar a faceta negra que está ausente. Uma vez concedido o papel de actriz principal na pela, Portman começa a alucinar desenfreadamente com as feridas que vão aparecendo no seu corpo e que se estendem à forma como percepciona as intenções de Lily. Nina inquieta-se ainda mais com a sua transformação no momento em que conhece Beth (Winona Ryder), a ex-grande estrela da companhia e protegida de Lerouy, e a visita no hospital após um grave acidente que a deixa praticamente imóvel e com cicatrizes horríveis no corpo.

Só depois de morrer o Cisne Negro poderá livrar-se da maldade e reencarnar. Esta é uma das chaves de Cisne Negro e de toda a sua misteriosa simbologia e surrealismo que Arafnosvky “rouba” de grandes thrillers do passado; na verdade, não poucas foram as vezes em que estabeleci paralelismos entre esta obra e o legado de Kubrick, nomeadamente nos seus Laranja Mecânica e Shining, especialmente este último. Nina afirma-se como uma personagem principal que endoidece (tal como Jack Nicholson) e alucina à medida que dança e define que Lily é sua inimiga (quando na realidade não parece ser… ponto de vista este sujeito a mais que uma interpretação); a partir do momento em que tem que representar o papel dos dois cisnes, as suas acções seguem o caminho paralelo ao perfil que nos é inicialmente apresentado da frágil e dedicada bailarina, demasiado ingénua e insegura. A simbologia da vida (Cisne Branco) e morte (Cisne Negro) torna-se mais rica na já referida atribuição do papel principal na peça “Swan Lake”, assim como as várias dúvidas e ilações que o espectador poderá experienciar – eu fi-lo. 

Cisne Negro consegue ser pretensioso nos grandes planos das câmaras do realizador, cruel na escravidão da vida das bailarinas, faustoso na banda-sonora e graciosidade das coreografias. No entanto, o grande ponto forte do mesmo é a dubiedade de significados que duas pessoas que vêm o mesmo filme conseguirão apresentar e, independentemente disso, criar uma sensação de consenso entre si. 

Título original: Black Swan
Realização: Darren Aronofsky 
Argumento: Mark Heyman, Andres Heinz, John J. McLaughlin, Andres Heinz
Produção: Fox Searchlight Pictures, Protozoa Pictures, Phoenix Pictures, Cross Creek Pictures

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