sexta-feira, 8 de abril de 2011

J.M. Coetzee «Disgrace»


O que restou de uma África do Sul pós-apartheid é uma temática controversa e demasiado sensível, cujas cicatrizes vão muitas vezes para além do que o ser humano é capaz de aguentar, tal é a profundidade das feridas. Muitos autores já exploraram esta África do Sul tumultuosa e ainda dividida, sem no entanto atingir o nível de crueldade e realismo deste poderoso romance, na minha opinião.

John Maxwell Coetzee realiza aqui um exercício sobre a desgraça, como o próprio título sugere. A personagem principal é David Lurie, um professor de 52 anos que ensina Poesia Romântica na Cape Technical University. David é um homem solitário e divorciado que recorre a prostitutas para satisfazer as suas necessidades sexuais, até ao dia em que Soraya, a prostituta habitual, deixa de o visitar. Através do seu egocentrismo, David lança o seu poder de sedução sobre uma das suas alunas, Melanie, acabando por ter uma relação puramente física. O primeiro momento de desgraça deste romance dá-se com a denúncia do caso à universidade. David, em vez de se defender, apresenta-se culpado e é demitido.

Após este incidente, David decide ir morar com a sua filha Lucy na sua herdade localizada no campo e tentar reatar uma relação pai/filha que nunca foi fácil. Lucy é violada por um grupo de criminosos negros e nada faz para os condenar, apesar de saber exactamente quem a atacou. Este é o segundo momento de desgraça para David, que tenta compreender as razões que levam a que a sua filha – lésbica – aceite o acto brutal a que foi submetida. Na realidade, Lucy funciona aqui como um exemplo do ódio racial que o apartheid criou; ela não apresenta queixas porque a vingança iria apenas alimentar mais o fogo, sentindo-se assim na obrigação de tentar equilibrar um pouco do mal e humilhação que os brancos fizeram aos negros durante o antigo regime britânico. Lucy é a metáfora que Coetzee usa para retratar o grave clima de tensão entre os negros e os brancos e os tumultos que ainda decorrem num país ainda em reconstrução física e psicológica.

Disgrace (editado em Portugal pela D. Quixote, com o título Desgraça) é um romance complexo, cruel e de leitura sensível que prende o leitor de princípio ao fim - note-se que Coetzee faz também aqui as suas habituais referências ao vegetarianismo e direitos dos animais. Recomenda-se vivamente que o leia primeiro e só depois veja a adaptação a filme por parte de Steve Jacobs, com John Malkovich no papel de David Lurie.

Nota: esta crítica foi baseada na leitura da obra no seu idioma original, o inglês.

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