segunda-feira, 7 de março de 2011

Milan Kundera «A Insustentável Leveza do Ser»


Bem mais conhecido pela versão filme de Philip Kaufman e do desempenho de Juliette Binoche, A Insustentável Leveza do Ser é, primeiramente, um livro publicado em 1984 por Milan Kundera, nascido em 1929 na República Checa. Este romance retrata, por um lado, uma República Checa – na altura a Boémia – invadida pelo comunismo feroz stalinista de 1968, e por outro lado, uma questão filosófica sobre a relação leveza/peso e o ser humano.

Quando o exército da União Soviética começou a invadir a Europa e a anexar países, deu-se um controlo de liberdade de expressão totalmente fascista, onde tudo e todos eram controlados por uma polícia e um governo repressores, tal como acontece em todos os regimes totalitaristas. E aqui, o comunismo é apenas a ponta esquerda do pensamento totalitário que, bem vistas as coisas, até nem é radical, pois se assim o fosse, não teria sido implementado com tanta facilidade e frequência. O comunismo que Milan Kundera observa nesta obra, é aquele típico: o fascismo de esquerda (muda-se da direita para a esquerda, sem alterações).

A invasão trouxe revoluções a nível social, obviamente, mas também a nível cultural. O aspecto cultural é plenamente explorado pelo autor, através do recurso ao “kitsch” comunista, que, por outras palavras, pode ser descrito como um ideal formatado; uma acção ou um pensamento considerado como o mais ideal. Tomáš, um médico cirurgião de renome, é a personagem principal. Apresenta-se como um homem com bastante charme que, embora ame e não se imagine a viver sem a sua esposa Tereza, recorre várias vezes ao adultério. Para Tomáš, o facto de fazer sexo com outras mulheres, não constitui traição, na medida em que este distingue sexo e amor. Sabina é uma mulher elegante e uma artista com quem Tomáš se encontra muitas vezes para sexo casual. Sabina é, tal como Tomáš, uma pessoa culturalmente muito evoluída e muito dotada na sua profissão, que gosta de sexo casual. Tereza vem de um “background” extremamente disfuncional, no qual a sua própria mãe fazia questão de lhe mostrar que o corpo é nojento, daí que ela aceite as traições de Tomáš.

A dicotomia peso/leveza constitui a parte filosófica do livro. A leveza, para Kundera, dá-se na ausência de compromisso com alguém ou com alguma coisa e está relacionada com o existencialismo. O peso é precisamente o oposto à leveza. Kundera acaba por arrastar Tomáš para este dilema filosófico (criado por Parménides), socorrendo-se de Sabina em representação da leveza, e de Tereza como materialização do peso. Tomáš solta-se das amarras do comunismo nas relações que vai mantendo com Sabina e mais tarde na sua ocupação de observador do comportamento sexual; no entanto, é Tereza, através da sua atitude de compaixão pela vida e pelo perdoar das infidelidades, que prende Tomáš ao Mundo opressivo.

Só um ser com a leveza de Kundera se poderia dar ao luxo de recorrer à merda para, de forma cómica, mas séria, relatar a morte do filho de Stalin. Também só ele poderia recorrer à merda para observar o antagonismo entre merda e Deus: “Sem a mínima preparação teológica, com toda a espontaneidade, a criança que eu era então já compreendia, portanto, a fragilidade da tese fundamental da antropologia cristã, segundo a qual o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Das duas, uma: ou o homem foi criado à imagem de Deus e Deus tem intestinos, ou Deus não tem intestinos e o homem não se parece com ele.”

É fácil de verificar que, entre outros, Friedrich Nietzsche e Robert Musil são influentes na escrita de Kundera; ao mesmo tempo, também não é difícil apercebermo-nos que esta obra influenciou muitos autores e livros, como é o caso da tetralogia O Reino, de Gonçalo M. Tavares. Com A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera acaba por escrever o seu manifesto anti-comunista e, para além disso, a procura do lugar do Eu numa sociedade estandardizada.  

2 comentários:

  1. Este livro é sem dúvida uma referência... Quase uma leitura obrigatória...

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  2. Sem sombra de dúvidas. Eu arriscaria mesmo a dizer que é mesmo obrigatório. Ri-me a bom perder a lê-lo, apesar do tom sério que Kundera lhe dá.

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