quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Valter Hugo Mãe «o remorso de baltazar serapião»


“Estou muito aflito. É profundamente chocante receber este prémio desta forma. Estou habituado a pensar na escrita como um exercício de solidão e hoje sinto-me muito acompanhado”, afirmou o Valter Hugo Mãe quando recebeu o Prémio Literário José Saramago de 2007. O romance o remorso de baltazar serapião não só lhe valeu este importante prémio da literatura portuguesa, mas também acabou por tirar Valter Hugo Mãe do anonimato – ou valter hugo mãe, como o autor gosta de ser tratado.

A leitura de o nosso reino (2004) já tinha deixado excelentes indicações sobre este jovem escritor e era apenas uma questão de tempo até que o mérito e o talento lhe fossem reconhecidos. E foram, felizmente para a nossa cultura.  Esta obra tem lugar num Portugal medieval marcado pelo feudalismo cheio de miséria, medo religioso, e relações sociais e afectivas disfuncionais que esse período comportou. Baltazar, a personagem principal – baltazar, com letra pequena, como todas as personagens no livro – vive numa pequena casa onde a vaca Sarga tem tanta ou mais importância que a sua mãe, trabalhando em ofícios duros típicos da classe baixa da idade medieval.

A vida de Baltazar muda quando conhece e se casa com Ermesinda, uma mulher cuja beleza era tanta que o ânimo e modo de estar na vida de Baltazar acabam por mudar drasticamente para melhor. A situação altera-se por completo quando D.Afonso, o senhor feudal, exige a Baltazar que todos os dias a sua esposa o visite na sua casa para efectuar alguns trabalhos. É nesta altura do romance que a nossa personagem principal tem ataques de ciúmes e passa a ter a relação que o pai tem com a sua mãe: violência para além do que podemos imaginar, descrita com um realismo assustadoramente chocante (“Pé torto, mão para o ar, braço colado ao peito, outra mão nenhuma, olho só buraco”), através duma linguagem rude e arcaica.

o remorso de baltazar serapião simboliza não só a forma brutal como os homens tratavam as mulheres na era medieval, mas pior que isso, a forma como as mulheres ainda hoje são tratadas. Baltazar é todos aqueles que no dia-a-dia aparentam um comportamento dito “normal” e que na sua privacidade com a esposa acabam por a tornar numa autêntica Ermesinda. Este “tsunami”, como José Saramago definiu, recupera alguma da horrível violência e escuridão presente em Memorial do Convento. Porém, e sem entrar em comparações com o falecido Prémio Nobel, a leitura desta obra é terrivelmente recomendada e essencial.

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